February 20, 2013

BREEDERS (Tim Kincaid, 1986)




BREEDERS é um descendente tardio do ALIEN (1979) de Ridley Scott, embora, curiosamente, devolva a temática às raízes do mais puro pulp dos anos trinta, comuns a ambos. Mas se o filme de Scott actualizava, de uma forma esteticamente irrepreensível e politicamente relevante, as promessas lúbricas das capas berrantes das THRILLING WONDER STORIES e PLANET STORIES, Tim Kincaid, argumentista e realizador deste BREEDERS opta por uma adaptação mais literal da sua temática. Se a particular estética da ficção científica da era das pulp parecia privilegiar os BEMs (Bug Eyed Monsters) tentaculados e ansiosos por provar as delícias carnais das virginais terrestres de vestes esfarrapadas, o conteúdo das publicações era bastante mais casto e relevante do que as audaciosas ilustrações prometiam. Apenas um punhado de contos de Henry Kuttner (três para ser mais preciso), escritos sob o pseudónimo James Hall (um deles), e publicados (nos dois primeiros números da) na efémera MARVEL SCIENCE STORIES, logravam cumprir a promessa das capas, apresentando-nos lúbricos monstros alienígenas, e donzelas de vestes esfarrapadas a contorcer-se nos braços tentaculados, verdadeiramente dignos das ilustrações. Nos demais casos, não é difícil imaginar a desilusão dos muitos adolescentes que despendiam os seus suados cêntimos à procura de uma brecha que lhes desse acesso momentâneo a um universo adulto, perverso e kinky, nem é difícil imaginar Kincaid como um desses adolescentes, ou como alguém que optou por os vingar.



BREEDERS é uma dessas histórias tornadas celuloide. Preparando uma invasão alienígena, um monstro de olhos esbugalhados viola uma série de atraentes jovens, todas elas virgens e que, depois de tratadas no Hospital de Manhatan, despertam como zombies, respondendo ao chamamento de uma cave subterrânea onde se deliciam com banhos de uma substância de aspecto seminal. Cabe a um detective de polícia (Lance Lewman) e a uma médica (Teresa Farley) desvendar o mistério e destruir a testa de ferro da invasão, o que fazem da forma mais involuntariamente inepta que imaginar se possa.




Kincaid rodou o filme no âmbito de uma proposta audaciosa que apresentou a Charles Band, dirigente da Empire Entertaiment: rodar duas longas-metragens simultaneamente (a outra foi MATT RIKER: MUTANT HUNT), ambas em apenas dez dias e com custos que não ultrapassassem o milhão de dólares. As nítidas limitações orçamentais e de tempo são bem visíveis nos decorados vazios e nus, e no fato de borracha do monstro, sendo que Kincaid deve ter reservado a maior parte do orçamento para duas cenas de efeitos especiais, curiosamente um tímido e modesto chest burster ripado de ALIEN, e uma exploding head inspirada por SCANNERS (1980), mas sem que Ed French (que também dirigiu as cenas de efeitos especiais e interpretou o médico que, no final do filme, é possuído pelos alienígenas) logre obter um décimo da eficácia de um ou outro efeito dos filmes onde originalmente surgiram.


Marcado por interpretações absolutamente ineptas de praticamente todos os envolvidos (apenas Lee Anne Baker, actriz que interpreta uma jovem enfermeira que é também vitimada pelo monstro, demonstra alguma capacidade de representação), e claramente mais interessado na exibição dos atributos femininos das actrizes intervenientes (aos mais interessados nestes pequenos pormenores, e na actriz principal, Teresa Farley, deverão estar atentos a um curtíssimo nip-slip perto do final), o filme tem porém o condão de irritar e ofender em doses iguais todos aqueles que tenham dificuldade em tolerar o tratamento mais descontraído ou leviano de temas sérios como a violação e os maus tratos sobre as mulheres.






Concentrando-se obsessivamente na virgindade das vítimas (CHERRY FALLS, faria o mesmo com os slasher movies, com resultados pouco melhores em 2002), Kincaid não leva o filme para o campo batido da dificuldade em encontrar virgens no quartel final do século XX (o Conde Drácula de Morrissey, Warhol e Margheritti enfrentara já esse problema em 1974 – aliás, o título italiano é bem elucidativo: DRACULA CERCA SANGUE DI VERGINE… E MORI DI SETE), mas também parece indiferente à aparente abundância com que estas pululam por Nova Iorque, nas mais inesperadas profissões: no mundo da moda e da enfermagem, e nalguns casos, já bem entradas na casa dos trinta. Mais do que um comentário à mores dominante ou à solidão das grandes cidades, é apenas mais um elemento de identificação do filme com os clássicos do Horror e da FC dos anos 30 aos anos 50, actualizados por via de uma maior liberdade sexual.






Liberdade essa resultante do crescente mercado videográfico para consumo caseiro, que permitiu explorar a nostalgia de uma geração que se formou com os extravagantes opus de sexo e violência que durante os anos 70 vicejavam nos drive-ins e nas grindhouses. BREEDERS insere-se assim num movimento concertado de filmes que, em meados dos anos 80, apostaram em levar para as salas de estar as experiências que antes apenas podiam obter-se nos cinemas menos reputados do interior, dos centros urbanos decrépitos, e da famosa 42nd Street de Nova Iorque. Se um maior grau de explicitude retirou uma dose do poder perturbador de filmes mais contidos como o MURDERS ON THE RUE MORGUE (1932) de Robert Florey, CAT PEOPLE (1942) de Jacques Tourneur (este também objecto de um soberbo e explícito remake por Paul Schrader em 1982), ou mesmo de I MARRIED A MONSTER FROM OUTER SPACE (1958) de Eugene Fowler, abriu também uma maior paleta plástica na representação do até então irrepresentável.





E, pese embora todas as limitações referidas, Ed French, que já assinara também os efeitos de maquilhagem do clássico de culto C.H.U.D. (1984) no ano anterior, consegue por via dessa representação do irrepresentável, fazer momentaneamente a ponte entre o imaginário da cultura popular e visionários como Brueghel ou Bosch, apresentando-nos numa criação surrealista de feições distorcidas e órgãos reposicionados, o desastroso resultado da impregnação de uma não virgem pelos alienígenas, enegrecendo ainda mais a conotação sexual e a importância da virgindade num subtexto, quiçá involuntário, mas terrivelmente conservador.


A imagem mais gratuitamente erótica e duradoura que resulta do filme (pelo menos a julgar pela polémica que a publicação de uma fotografia de produção nas páginas da FANGORIA #51 de Janeiro de 1986 gerou), é a das cinco actrizes convertidas em reprodutoras, tão nuas quanto o bom gosto permite, num lânguido banho de visco seminal alienígena que espalham por todo o corpo com gestos de uma transbordante sensualidade, iluminadas em tons primários, sanguinolentos, como num recorrente sonho uterino.






Recordo-me de ter visto este filme em VHS, numa edição pan&scanada, algures em 1988 ou 1989, e de não ter gostado minimamente do filme. Revendo-o agora numa edição primorosamente restaurada para o seu correcto formato 1:85:1, foi-me mais fácil simpatizar com as intenções dos autores (talvez ajudado por uma dose de nostalgia), e anotar com mais facilidade, não só os muitos defeitos, mas as poucas imagens que perduram.  


BREEDERS foi objecto de um remake não oficial em 1996, com argumento e realização de Paul Matthews, e efeitos especiais bem mais conseguidos do que no esforço inicial de Kincaid. Este novo BREEDERS mantém a mesma ideia central, embora reduza a zona de caça da criatura alienígena, do centro de Manhattan, para um colégio feminino. Apesar da alteração, e dos superiores efeitos especiais, a nudez é inexistente, o que ajuda a explicar que tenha passado totalmente desapercebido para as longas e sobrecarregadas estantes do esquecimento.

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