February 1, 2013

Cinema Palácio



Tenho a certeza que cheguei a ir ao Cinema em dias de chuva. Como podia não o fazer, quando durante a segunda metade da década de oitenta ia praticamente todos os dias ao cinema. E, no entanto, apenas me recordo de tardes de sol e de noites quentes,  aguardando antes do jantar que a bilheteira, ao ar livre, abrisse. No verão, as lâmpadas fluorescentes atraíam exércitos de traças e mosquitos e outros insectos, e lá dentro, como tantas outras traças, ficávamos colados à luz multicolorida do ecrã que nos transportava a miríades de outros mundos, fosse no interior rebitado do Nautilus do Capitão Nemo, montados no cavalo de Terence Hill ou voando sobre as águas cristalinas das caraíbas num avião quase desfeito pilotado por Peter O’Toole.

O Cinema Palácio, que vemos apenas parcialmente nestas magníficas fotografias de Carlos Machado (cuja utilização desde já agradeço), e que representam a Rua de Aveiro e a Avenida Rocha Páris em 1962 e 1963, foi construído nos anos cinquenta e, tal como estruturou o imaginário de duas ou três gerações de uma capital de Distrito da Província, ajudou a estruturar a renovação urbana de uma das zonas mais problemáticas da cidade.
Lembro-me de no cinema Palácio ter visto pela primeira vez muitos dos filmes que, com o tempo, se tornaram filmes de culto pessoal: KING KONG (1976), MIGHTY PEKING MAN (1977), BARBARELLA (1968), STAR WARS (1977), SUPER-MAN (1978), RAIDERS OF THE LOST ARK (1981), IRON EAGLE (1985), STREETS OF FIRE (1984), GOLD OF THE AMAZON WOMEN (1979), AT THE EARTH’S CORE (1976), VIRUS (1980), LIFE FORCE (1986), THE LAND THAT TIME FORGOT (1975), FISTS OF FURY (1971), THE BLOB (1958), BRAZIL (1985) GREMLINS (1984), já para não falar da série James Bond e os festivais de pancadaria de Bud Spencer e Terence Hill. 

Já para não falar daqueles que não cheguei a ver, mas cujos títulos ou cartazes coloridos me avivaram a imaginação ao longo de anos, até finalmente os ter conseguido ver em VHS ou DVD, ou nos canais especializados da televisão: títulos como CAÇA ZERO: TERROR DO PACÍFICO, JÚNIOR FRANKENSTEIN (que nunca me passaria pela cabeça ser uma comédia) ou CANNIBAL FEROX, tiveram tanta influência sobre mim pelo que representaram na minha imaginação, como aqueles filmes que vi, em tardes e noites sucessivas de cinefilia.

Num momento em que o distrito de Viana do Castelo não tem neste momento um único cinema activo, onde a maior parte dos multiplexes de Lisboa e Porto reservam dezenas de salas para pouco mais de cinco ou seis títulos, parece impossível acreditar que nos anos setenta e oitenta do século passado havia aqui uma sala de cinema com ecrã digno desse nome (foi um dos últimos ecrãs gigantes do país) que todos os dias passava um título diferente, num ecletismo que a CONDEXI (a distribuidora de Vila do Conde, que já não existe) potenciava com gosto, reservando os fins de semana para os lançamentos recentes. 

O Palácio fechou em 1993 (a última vez que lá fui, assisti pela segunda vez ao BRAM STOKER’S DRACULA de Francis Ford Coppola), transformado numa aberração arquitectónica de escritórios e bancos sem personalidade nem história, e posteriormente ainda mais desfigurado pelo alargamento de janelas e aberturas de frentes vidradas.
 
Para trás, a memória de uma experiência que – face à cada vez maior qualidade dos meios de reprodução doméstica e menor qualidade dos que frequentam os cinemas, ruminando pipocas e sorvendo colas – jamais se repetirá. Este blogue, de seu nome CINEMA PALÁCIO, é uma tentativa de recuperar uma pálida memória dessa experiência, através de um maior ecletismo temático do que aquele que reservei para o BLADE RUNNER, embora com natural pendor para os filmes de género, de acordo com a classificação constante da barra lateral, pois foi também esses que ao longo dos anos fui ver ao Cinema.

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