March 19, 2013

THE FAST AND THE FURIOUS (Rob Cohen, 2001)




Desde o primeiro ao último instante, este é um filme sobre automóveis. Sobre carros de corrida. Mais concretamente, sobre carros de street racing, modelos comerciais artilhados com motores híper-potentes e injectores de oxido nitroso. Uma espécie de tunning glorificado, onde a potência do motor não é medida em cavalos mas em milhares de dólares. Uma e outra vez, ouvimos referências à centena de milenas que este ou aquele têm debaixo do capô. Pelo que grande parte da simpatia que podemos dedicar ao filme derivará necessariamente da simpatia que possamos votar àqueles que assim falam; e tratando-se, como se trata, de um filme de Hollywood, ninguém se assemelha aos típicos parolos que normalmente encontramos nos shows de tunning com os seus carros reluzentes, rádios ensurdecedores e pindéricos néons (todos eles presentes no filme, mas nunca tão irritantes como na vida real). 




Sob a direcção entusiástica de Rob Cohen, que assume um gosto genuíno pelo tema tratado – as irresponsáveis corridas urbanas descritas num artigo de Kenneth Li para a Newsweek (“Racer X”) – THE FAST AND THE FURIOUS assume-se estilisticamente como uma road opera pós-moderna, ambicionando antepor à realidade mecânica do automobilismo uma estilização abstracta e impressionista que servirá como factor de divisão das simpatias da audiência. Se o assalto inicial a um camião levado a cabo com três Honda Civic se afirma como um meritório exercício de perícia e deslumbra o espectador com um ballet automobilístico que evoca a cópula rodoviária estilizada por Cronenberg no seu CRASH (1995), a sequência que define o filme e a sua estética é a corrida de quatro superchargers por uma das alamedas de Los Angeles, com o tempo e o espaço da corrida reduzidos a uma dimensão impressionista onde um e outro se distendem para lá de todo o razoável, como se no funil do hiperespaço. Ao contrário da referida cena inicial, onde o camião a toda a velocidade hesita em obedecer à gravidade, parecendo prestes a rebolar de um momento para o outro como um touro mortalmente estocado, Cohen lança mão para a corrida urbana de um excesso de CGI que despe a acção de qualquer limite físico e a metamorfoseia numa afirmação artística gratuitamente pop que nos leva a crer que de um momento para o outro o ecrã se preencherá com onomatopeias visuais, um grafitti animado de VROOOM, CRASH, BANGs.


Todo o exercício abraça e glorifica uma cultura marginal – mais do que marginal, assumidamente criminosa – e, numa opção surpreendente para um filme de Hollywood, é permitido a essa cultura fascinar o espectador, suscitar as suas simpatias, lograr a sua identificação. Para isso muito contribui a cativante e carismática presença de Vin Diesel no papel de Dom Toretto, um ex-presidiário campeão de street racing cujo credo é precisamente viver em intervalos de quarto de milha, tudo o mais relegado para segundo plano face à liberdade que nos diz experimentar nesse momento. É para por a descoberto a sua ligação à onda de assaltos a camionistas que transportam carregamentos de valiosos electrodomésticos – no caso, como nas primeiras temporadas de THE SOPRANOS, essencialmente leitores de DVD – que Brian O’Conner (Paul Walker), um agente de polícia, aceita infiltrar-se na comunidade de street racers e acaba ele próprio por sucumbir ao fascínio de Toretto, um messias do alcatrão cuja filosofia de vida, simples e dominada por um código de honra primordial, aferido pela transacção dos títulos de propriedade dos carros apostados em cada pista, se contrapõe favoravelmente à burocracia, tricas e intrigas que parecem fermentar e alimentar o quartel das forças policiais – um palacete construído nos anos 50 para Elizabeth Taylor, que serve bem de comentário para o tipo de anti-heróis e anti-heroínas com que as modernas audiências se identificam. Virginia Wolfe não tem lugar entre as ninfetas hipersexualizadas que adejam em torno das máquinas como traças em torno da luz, nem entre as mecânicas sensuais que controlam um carro musculado com a mesma facilidade com que noutros tempos operavam um micro-ondas. 



O papel de adoçante visual cabe desta feita a Michelle Rodriguez (GIRLFIGHT, AVATAR) e Jordana Brewster (THE FACULTY), infelizmente servidas por um papel pouco menos que decorativo perante as vagas de testosterona rica em octanas que ocupam o ímpeto da narrativa. Nem a inegável beleza física de ambas é beneficiada pelo olhar mecânico da câmara que apenas ganha vida quando desliza pelas linhas femininas e luminosas dos carros aerodinamizados, e nem mesmo as tímidas cenas de sexo, mais castas do que a novela das nove, se esforçam por arrancar o filme ao castrante PG-13 (M/12), o que, para os seus principais destinatários, deve ser menos irritante do que seria um limitador de velocidade.




Perante a passividade do menino bonito Paul Walker, dividido entre o dever, o fascínio por Mia (Brewster), irmã de Toretto, e o fascínio pelos automóveis reluzentes e pela enganadora liberdade do estilo de vida dos street racers, o filme pertence totalmente a Vin Diesel, perfeitamente convincente no papel de pequeno criminoso cativante, tão à vontade numa oficina ou atrás do volante de um carro, como em competição com um gangue de criminosos japoneses. Diesel, ainda fresco do sucesso de PITCH BLACK (2000), um dos poucos filmes de ficção científica com uma premissa minimamente interessante que surgiram na sequência do megaêxito de THE MATRIX (1999), é dos poucos actores da sua geração capaz de vender convincentemente o carisma de Toretto, tão essencial ao final do filme. Pelo caminho, Rob Cohen e a sua hoste de argumentistas (nada menos do que três) viciam o jogo a seu favor, quer contrapondo o seu grupo de criminosos (que recorrem a dardos tranquilizantes) ao violento gangue de Johnny Tran (Rick Yune), quer apresentando os agentes encarregues da sua prisão (Ted Levin e Thom Barry) como pouco merecedores da nossa empatia. O jogo é de tal forma viciado, que no malogrado assalto final (um cliché tão cabeludo como poucos), as simpatias da audiência irão certamente para o antipático Leon (Johnny Strong) que um camionista mantem encurralado na frente do camião a tiro de shotgun (Uma cena que pede um tratamento a la AUSTIN POWERS para explorarmos a perspectiva do camionista que defende o seu ganha-pão).




Apesar de tudo, do argumento desconexo e das muitas meadas da trama que ficam por atar, THE FAST AND THE FURIOUS é um filme que, visto com o motor em altas rotações e o cérebro em ponto morto, pode ser disfrutado numa perspectiva meramente sensorial, mesmo por quem tem pouca paciência para temas hip-hop que badalam repetidamente a paixão pelos motores.

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