300 é
mais uma sequência de planos estéticos – dir-se-ia que com ambições de pintura
– do que propriamente um filme. Snyder, como acontecia já em DAWN OF THE
DEAD (2004), não consegue resistir a chamar a atenção para os efeitos
especiais. Cada plano seu é uma demonstração ostensiva da dimensão visual da
experiência, em detrimento da consistência narrativa, muitas vezes reduzida ao
mínimo estruturante (como num videojogo, ou num filme porno). Nos seus três
primeiros filmes, o problema não foi excessivamente castrante porque Snyder
estava a explorar propriedades já há muito estabelecidas: o filme de Romero, de
1979, um filme de culto por direito próprio, em DAWN OF THE DEAD, a graphic
novel de Frank Miller e Lynn Varley neste 300, e a obra-prima dos comics
de Alan Moore, no seu projecto seguinte e o mais conseguido até à data, WATCHMEN
(2009). No entanto, quando tentou o seu primeiro projecto pessoal (com
argumento e realização suas), SUCKER PUNCH (2011), todas as suas
limitações foram exacerbadas pela sua incapacidade de ultrapassar a dimensão
meramente visual – visceral – do cinema.
Em DAWN,
a câmara não conseguia esperar pelo momento de nos proporcionar um primeiro
plano dos rostos distorcidos dos infectados, minando a soberba ironia dos
planos iniciais do filme, nomeadamente os magníficos planos picados que nos
distanciavam do apocalipse que consumia o mundo diante dos nossos olhos. Em 300,
a câmara abranda o seu ritmo, dilatando o tempo da acção, reduzindo a
velocidade do movimento até cada plano se assemelhar a uma vinheta da graphic
novel (muitas das quais são literalmente reproduzidas no ecrã). A mestria
visual de Miller, considerado o mais cinemático dos artistas gráficos, permite
a Snyder construir um filme de uma beleza estética inegável, gerando uma
teratologia que oscila incerta entre o meramente grotesco e o simplesmente
fantástico, filtrando o mito da Batalha das Termópilas, por uma imagética
nascida da cultura popular do século XX.
E,
enquanto as imagens de uma beleza hipnótica mantêm o espectador colado à
cadeira do cinema ou ao sofá da sala, uma vez terminado o transe (que, admitidamente,
será tanto mais profundo quanto menos experiência o espectador tenha quer em
termos cinéfilos quer bedéfilos), surge a ressaca de compreender que esteve
sentado perante uma sucessão ininterrupta de quadros de acção sem qualquer
desenvolvimento narrativo ou de personagens. A trama secundária das intrigas
políticas em Esparta, ancoradas no papel da Rainha, uma interpretação
politicamente incorrecta de Lena Headey, em estágio para a sua intervenção na
série GAME OF THRONES, tão disposta a utilizar a astúcia quanto o corpo
para conseguir os seus intentos, não merece tempo suficiente para
compreendermos a sua importância; e o papel do disforme traidor Ephialtes
(Andrew Tiernan), é resolvido em menos de dois minutos, no simplismo de uma
orgia, desperdiçando o forte potencial dramático de um patriota Espartano que é
atirado para o serviço do inimigo por não estar à altura dos padrões de
exigência dos seus conterrâneos e do seu rei.
Talvez
aí resida um dos aspectos mais interessantes do filme: Snyder parece realmente
simpatizar com a filosofia anacronista de Leónidas (Gerard Butler), dando
continuidade à subtil (ou nem tanto) linha sobrevivalista de DAWN,
encarnada pelo simpatético Andy (Bruce Bohne) e a sua perícia no uso de uma
carabina. Não creio que muitos espectadores contemporâneos partilhem no plano
prático do espírito de sacrifício de Leónidas e dos seus trezentos magníficos,
ou, pós-Gulf War II, simpatizem com o apelo às armas em que o filme finalmente
se consubstancia (os seus adversários, os Persas, vivem ainda hoje no cadinho
fundamentalista do Irão). Butler consegue imprimir à sua interpretação do Rei
Espartano um delicado balanço entre a ousadia e a loucura, deixando-nos
indecisos quanto à verdadeira natureza da sua batalha. De que Leónidas é um sanguinário
não permite Snyder que subsista qualquer dúvida, mas é um déspota esclarecido,
ou um mero ditador como aqueles que a América depõe constantemente?
Antes
da derradeira Batalha, quando a morte é mais do que certa para os resistentes
espartanos, Leónidas inspira as suas tropas dizendo-lhes que escrevem ali a
alvorada de uma nova era: uma era onde um grupo de homens valentes deu a vida
para resistir à tirania e à superstição. Mas a sensação que ficamos por
contraste com o nosso próprio tempo, é de que a Batalha das Termópilas, como
idealizada por Snyder, representa sim o final de uma era, precisamente o final
de uma era de heróis românticos, dispostos a carregar uma última vez sobre o
rosto da morte. Não foi tanto o Tempo que mudou, foram os heróis que
desapareceram…