Na
sequência de filmes como THE GUNS OF
NAVARONE (1961) e DIRTY DOZEN
(1967), tornaram-se extremamente populares os filmes de missões aparentemente
suicidas por detrás das linhas alemãs, efectuadas por grupos de soldados
selecionados dos escalões menos recomendáveis e que, através do seu desempenho,
não só se reabilitariam aos olhos da sociedade, como reencontrariam as razões
patrióticas que, no início desprezavam. Em finais dos anos 60, e na sequência
do filme de Aldrich, os exemplos são muitos e, só em 1968, foram lançados THE DEVIL’S BRIGADE e WHERE EAGLES DARE. A indústria dos
derivados spaghetti não demorou a apanhar o comboio e, para além de criar
alguns clássicos do género – como o THE
INGLORIOUS BASTARDS (1978) de Enzo
Castellari – e levar o género por caminhos mais extremos, exclusivamente
endémicos da península italiana, nomeadamente os filmes de Nazisploitation,
produziu uma série de derivados que procuravam acompanhar de perto os seus
congéneres anglo-saxónicos. 5 PER
L’INFERNO é um desses filmes.
Assinado
por Gianfranco Parolini com o seu nom d’écran
Frank Kramer, o filme dispensa a quase obrigatória selecção de caracteres que
comporão o pelotão, despachando o processo nos modestos três ou quatro minutos
do genérico, enquanto o tenente Hoffman (John Garko) recolhe um a um os quatro
membros da equipa, sob o tema, a princípio irritante e depois totalmente
viciante de Elsio Mancuso (assinando como Vasco Mancuso). Como é de bom tom
neste tipo de filme, a selecção recai sobre um grupo de homens que são o melhor
naquilo que fazem: neste caso, um arrombador de cofres, um ginasta, um
especialista em explosivos, um perito no manejo de facas e – surpreendentemente
– um perito no arremesso de bolas de baseball. Todos eles terão a oportunidade
de demonstrar as suas habilidades no decurso da missão, sobretudo o atirador de
facas que, num momento de inspiração do realizador, abate o general alemão ao
levantar o braço num Heil Hitler que lhe permite arremessar a faca que leva
oculta na mão.
A
missão, que nos é apresentada de forma surpreendente numa simulação que
antecede em duas décadas um cenário semelhante no início de NEVER SAY NEVER AGAIN (1983), consiste
em infiltrar a pequena vila italiana de Vilaverde, e roubar de um cofre no
quartel-general alemão o designado Plano “K” da Wermarcht que, como nos é dito
no início, num dos exemplos de lógica absurda dos exercícios pulp a l’italiana, pode conduzir as
tropas aliadas a uma armadilha.
Curiosamente,
o desenrolar da missão acompanha mais de perto a estrutura da série televisiva Mission:
Impossible (1966-1973) do que o deste tipo de filmes; não só os membros
que constituem a equipa seguem de perto a equipa M:I televisiva, incluindo o
atleta musculado (na série o carismático Peter Lupus, aqui o não menos
interessante Samson Burke), como o desenrolar da missão obriga a um processo de
disfarce, infiltração, abertura de um cofre em corrida contra o tempo,
microfotografia de planos secretos, e até um gadget na forma de uma bola de baseball oca e revestida a metal,
que servirá para ocultar o microfilme obtido e arremessá-lo por sobre a cerca
electrificada (em mais um exemplo de absurda lógica pulp). Também no espírito
da série, 5 PER L’INFERNO dispensa
por completo qualquer suspeita de que um dos membros do grupo possa ser um
traidor e nunca coloca em causa a unidade do grupo, com todas as suas forças e
fraquezas, permitindo que as ameaças que colocam em risco a missão partam
exclusivamente dos inimigos, tendo à cabeça o Obersturmbannführer Hans Mueller, das SS, um como sempre expansivo
e reptilicamente ameaçador Klaus Kinski, embora aqui numa das suas frequentes interpretações
a meio-gás.
Apesar
de as limitações de orçamento serem visíveis um pouco por todo o filme – logo
no início, o plano de missão consiste em serem transportados de avião por sobre
a linha Gustav mas, no entanto, a acção corta de imediato para a chegada do
nosso grupo a Itália, num velho autocarro – o ritmo da acção é imparável, e
inclui perseguições com side-cars e kübelwaggen, muita pancadaria, e uma
batalha final nos jardins e átrios do quartel-general alemão que faz lembrar o
próprio desembarque em Anzio.
Pelo
caminho, temos direito a alguns respiros de humor – aliás, todo o filme é
bem-humorado, apesar de nalguns momentos surpreender o espectador com a
irrupção de elementos de uma inesperada crueldade. Enquanto disfarçados de
soldados alemães, os protagonistas esperam numa igreja pelo contacto de uma
espiã que trabalha na fortaleza que terão que infiltrar (uma deslumbrante
Margaret Lee), e vão repetindo os ora pro
nobis que respondem à interminável ladainha de santos a quem o entediado
padre pede protecção, levando uma beata a comentar com outra: “quem diria que os alemães, no fundo, até são
boas pessoas”.
A
personagem mais complexa – ou complicada – é sem dúvida a Helga Richter de
Margaret Lee, talvez por o argumento parecer hesitar sobre o que pretende que
ela seja, ora escorregando para o arquétipo pulp
da fria, sexy e implacável fraulein
em uniforme militar que seria definitivamente fixado na década seguinte por
Dyanne Thorne na série de filmes onde protagonizou a carismática e explosiva
Ilsa (1973-1977), ora pendendo para a pura espiã que Mary Ure desempenhara no
ano anterior em WHERE EAGLES DARE.
Curiosamente, é essa indeterminação, conjugada com a beleza altiva de Margaret
Lee, que dotam a sua personagem de uma inesperada profundidade e sentido de
ironia.
A
sensação com que ficamos de imediato é a de alguém que, trabalhando isolada no
coração do vespeiro, se começa a deixar dominar por uma obsessiva paranoia que
a leva a eliminar qualquer possibilidade de descoberta. Ao ouvir Mueller
comentar que descobriram um membro da resistência, é ela própria quem o elimina
a sangue frio. Logo de seguida, abandona a arma do crime em casa do seu amante,
o que leva à sua execução às mãos de Mueller, mas também a que as suspeitas
dele recaiam sobre si, conjugadas com o intenso desejo que não deixa de lhe
expressar insistentemente (pelo menos com a intensidade que se pode esperar de
um réptil frio como o oficial das SS).
Desejo
a que ela resiste até ao momento em que, uma vez mais ecoando uma situação
recorrente com a personagem de Barbara Bain em Mission: Impossible, tem
que se servir do corpo para distrair Mueller durante a abertura do cofre,
despoletando uma das cenas simultaneamente mais tensas e divertidas do filme,
em que ambos – ela e Mueller – estão mais concentrados no que se passa fora da
cama do que na tão ansiada/temida consumação.
Por
fim, a sua prestação acaba por a colocar diante do pelotão de fuzilamento sob o
olhar simultâneo de Mueller e dos comandos americanos, os quais não podem
intervir para evitar ser descobertos, apenas para, ironicamente, desencadearem
um feroz combate poucos minutos depois. A espactacular batalha que se segue
prontamente vota a pobre Helga ao esquecimento, como que confirmando o estranho
corte na sequência de montagem que faz com que o corpo da rapariga desapareça
subitamente do local do crime, como se não tivesse passado mera imaginação.
Queixarmo-nos,
numa produção desta natureza, da falta de rigor a nível da reconstituição
histórica, seria o mesmo que queixarmo-nos de que os pepla não representam a realidade histórica do Império Romano; mas
uns e outros são imediatamente reconhecíveis na sua iconografia própria, e os
uniformes utilizados, quer pelas forças alemãs, quer pelos comandos americanos,
cumprem essa função de identificação, evitando uma confusão semelhante à de EL OASIS DE LOS MUERTOS (1981) de Jesse
Franco, onde ambos os lados de uma batalha não só usavam os mesmos uniformes
mas, por falta de meios para a contratação de extras, eram desempenhados pelos
mesmos actores, que íamos vendo tombar, à vez, de um e outro lado da contenda. No
entanto, os mais entusiastas pela história militar, não deixarão de notar
algumas incongruências: embora Hans Mueller seja repetidamente identificado
como Obersturmbannführer
(Tenente-Coronel), utiliza as insígnias de S.S.
Standartenführer (Coronel), embora as
folhas de carvalho da gola se encontrem trocadas; da mesma forma, embora os
uniformes utilizados mimetizem minimamente o uniforme de campanha das S.S.
(incluindo o distintivo das Hoheitzeichen
na parte de cima da manga), não é possível identificar nenhuma unidade que
tivesse estado operacional naquele teatro de guerra em princípios de 1944,
altura em que parece decorrer a acção do filme, conforme nos é permitido
deduzir pelas referências ao papel de Kesselring, o Marechal-de-Campo Alemão
que, entre 17 de Janeiro e 23 de Maio de 1944, deteve o avanço aliado na
sequência do desembarque nas praias de Anzio. Também o equipamento americano
apresenta visíveis anacronismos, desde logo o facto de alguns dos elementos do
pelotão exibirem os capacetes M1 com camuflado de rede, que apenas entraram ao
serviço durante a campanha da Normandia (Junho de 1944).
Nada,
porém, que detraia do puro entretenimento de uma missão pulpesca e fantasiosa e
repleta de acção. Como um comic book
que ganhasse vida, 5 PER L’INFERNO existe
num universo com uma lógica muito própria, onde a própria guerra é idealizada e
a morte dos companheiros – representada no plano final do filme pelos capacetes
que ocupam o assento onde antes tinham viajado – é afastada com um sorriso que
promete novas aventuras.
No comments:
Post a Comment