Tenho a certeza que cheguei a ir ao Cinema em dias de chuva. Como podia não o fazer, quando durante a segunda metade da década de oitenta ia praticamente todos os dias ao cinema. E, no entanto, apenas me recordo de tardes de sol e de noites quentes, aguardando antes do jantar que a bilheteira, ao ar livre, abrisse. No verão, as lâmpadas fluorescentes atraíam exércitos de traças e mosquitos e outros insectos, e lá dentro, como tantas outras traças, ficávamos colados à luz multicolorida do ecrã que nos transportava a miríades de outros mundos, fosse no interior rebitado do Nautilus do Capitão Nemo, montados no cavalo de Terence Hill ou voando sobre as águas cristalinas das caraíbas num avião quase desfeito pilotado por Peter O’Toole.
O Cinema Palácio, que vemos apenas parcialmente nestas
magníficas fotografias de Carlos Machado (cuja utilização desde já agradeço), e que representam a Rua de Aveiro e a
Avenida Rocha Páris em 1962 e 1963, foi construído nos anos cinquenta e, tal
como estruturou o imaginário de duas ou três gerações de uma capital de
Distrito da Província, ajudou a estruturar a renovação urbana de uma das zonas
mais problemáticas da cidade.
Lembro-me de no cinema Palácio ter visto pela primeira vez
muitos dos filmes que, com o tempo, se tornaram filmes de culto pessoal: KING
KONG (1976), MIGHTY PEKING MAN (1977), BARBARELLA (1968), STAR WARS (1977), SUPER-MAN
(1978), RAIDERS OF THE LOST ARK (1981), IRON EAGLE (1985), STREETS OF FIRE
(1984), GOLD OF THE AMAZON WOMEN (1979), AT THE EARTH’S CORE (1976), VIRUS
(1980), LIFE FORCE (1986), THE LAND THAT TIME FORGOT (1975), FISTS OF FURY (1971),
THE BLOB (1958), BRAZIL (1985) GREMLINS (1984), já para não falar da série
James Bond e os festivais de pancadaria de Bud Spencer e Terence Hill.
Já para não falar daqueles que não cheguei a ver, mas cujos
títulos ou cartazes coloridos me avivaram a imaginação ao longo de anos, até
finalmente os ter conseguido ver em VHS ou DVD, ou nos canais especializados da
televisão: títulos como CAÇA ZERO: TERROR DO PACÍFICO, JÚNIOR FRANKENSTEIN (que
nunca me passaria pela cabeça ser uma comédia) ou CANNIBAL FEROX, tiveram tanta
influência sobre mim pelo que representaram na minha imaginação, como aqueles
filmes que vi, em tardes e noites sucessivas de cinefilia.
Num momento em que o distrito de Viana do Castelo não tem
neste momento um único cinema activo, onde a maior parte dos multiplexes de Lisboa e Porto reservam
dezenas de salas para pouco mais de cinco ou seis títulos, parece impossível
acreditar que nos anos setenta e oitenta do século passado havia aqui uma sala
de cinema com ecrã digno desse nome (foi um dos últimos ecrãs gigantes do país)
que todos os dias passava um título diferente, num ecletismo que a CONDEXI (a
distribuidora de Vila do Conde, que já não existe) potenciava com gosto,
reservando os fins de semana para os lançamentos recentes.
O Palácio fechou em 1993 (a última vez que lá fui, assisti
pela segunda vez ao BRAM STOKER’S
DRACULA de Francis Ford Coppola), transformado numa aberração
arquitectónica de escritórios e bancos sem personalidade nem história, e
posteriormente ainda mais desfigurado pelo alargamento de janelas e aberturas de frentes vidradas.
Para trás, a memória de uma experiência que – face à cada
vez maior qualidade dos meios de reprodução doméstica e menor qualidade dos que
frequentam os cinemas, ruminando pipocas e sorvendo colas – jamais se repetirá.
Este blogue, de seu nome CINEMA PALÁCIO, é uma tentativa de recuperar uma
pálida memória dessa experiência, através de um maior ecletismo temático do que
aquele que reservei para o BLADE RUNNER, embora com natural pendor para os
filmes de género, de acordo com a classificação constante da barra lateral,
pois foi também esses que ao longo dos anos fui ver ao Cinema.
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