February 19, 2013

5 PER L'INFERNO (Gianfranco Parolini,1969)




Na sequência de filmes como THE GUNS OF NAVARONE (1961) e DIRTY DOZEN (1967), tornaram-se extremamente populares os filmes de missões aparentemente suicidas por detrás das linhas alemãs, efectuadas por grupos de soldados selecionados dos escalões menos recomendáveis e que, através do seu desempenho, não só se reabilitariam aos olhos da sociedade, como reencontrariam as razões patrióticas que, no início desprezavam. Em finais dos anos 60, e na sequência do filme de Aldrich, os exemplos são muitos e, só em 1968, foram lançados THE DEVIL’S BRIGADE e WHERE EAGLES DARE. A indústria dos derivados spaghetti não demorou a apanhar o comboio e, para além de criar alguns clássicos do género – como o THE INGLORIOUS BASTARDS (1978) de Enzo Castellari – e levar o género por caminhos mais extremos, exclusivamente endémicos da península italiana, nomeadamente os filmes de Nazisploitation, produziu uma série de derivados que procuravam acompanhar de perto os seus congéneres anglo-saxónicos. 5 PER L’INFERNO é um desses filmes. 


Assinado por Gianfranco Parolini com o seu nom d’écran Frank Kramer, o filme dispensa a quase obrigatória selecção de caracteres que comporão o pelotão, despachando o processo nos modestos três ou quatro minutos do genérico, enquanto o tenente Hoffman (John Garko) recolhe um a um os quatro membros da equipa, sob o tema, a princípio irritante e depois totalmente viciante de Elsio Mancuso (assinando como Vasco Mancuso). Como é de bom tom neste tipo de filme, a selecção recai sobre um grupo de homens que são o melhor naquilo que fazem: neste caso, um arrombador de cofres, um ginasta, um especialista em explosivos, um perito no manejo de facas e – surpreendentemente – um perito no arremesso de bolas de baseball. Todos eles terão a oportunidade de demonstrar as suas habilidades no decurso da missão, sobretudo o atirador de facas que, num momento de inspiração do realizador, abate o general alemão ao levantar o braço num Heil Hitler que lhe permite arremessar a faca que leva oculta na mão.



A missão, que nos é apresentada de forma surpreendente numa simulação que antecede em duas décadas um cenário semelhante no início de NEVER SAY NEVER AGAIN (1983), consiste em infiltrar a pequena vila italiana de Vilaverde, e roubar de um cofre no quartel-general alemão o designado Plano “K” da Wermarcht que, como nos é dito no início, num dos exemplos de lógica absurda dos exercícios pulp a l’italiana, pode conduzir as tropas aliadas a uma armadilha.




Curiosamente, o desenrolar da missão acompanha mais de perto a estrutura da série televisiva Mission: Impossible (1966-1973) do que o deste tipo de filmes; não só os membros que constituem a equipa seguem de perto a equipa M:I televisiva, incluindo o atleta musculado (na série o carismático Peter Lupus, aqui o não menos interessante Samson Burke), como o desenrolar da missão obriga a um processo de disfarce, infiltração, abertura de um cofre em corrida contra o tempo, microfotografia de planos secretos, e até um gadget na forma de uma bola de baseball oca e revestida a metal, que servirá para ocultar o microfilme obtido e arremessá-lo por sobre a cerca electrificada (em mais um exemplo de absurda lógica pulp). Também no espírito da série, 5 PER L’INFERNO dispensa por completo qualquer suspeita de que um dos membros do grupo possa ser um traidor e nunca coloca em causa a unidade do grupo, com todas as suas forças e fraquezas, permitindo que as ameaças que colocam em risco a missão partam exclusivamente dos inimigos, tendo à cabeça o Obersturmbannführer Hans Mueller, das SS, um como sempre expansivo e reptilicamente ameaçador Klaus Kinski, embora aqui numa das suas frequentes interpretações a meio-gás.



Apesar de as limitações de orçamento serem visíveis um pouco por todo o filme – logo no início, o plano de missão consiste em serem transportados de avião por sobre a linha Gustav mas, no entanto, a acção corta de imediato para a chegada do nosso grupo a Itália, num velho autocarro – o ritmo da acção é imparável, e inclui perseguições com side-cars e kübelwaggen, muita pancadaria, e uma batalha final nos jardins e átrios do quartel-general alemão que faz lembrar o próprio desembarque em Anzio. 


Pelo caminho, temos direito a alguns respiros de humor – aliás, todo o filme é bem-humorado, apesar de nalguns momentos surpreender o espectador com a irrupção de elementos de uma inesperada crueldade. Enquanto disfarçados de soldados alemães, os protagonistas esperam numa igreja pelo contacto de uma espiã que trabalha na fortaleza que terão que infiltrar (uma deslumbrante Margaret Lee), e vão repetindo os ora pro nobis que respondem à interminável ladainha de santos a quem o entediado padre pede protecção, levando uma beata a comentar com outra: “quem diria que os alemães, no fundo, até são boas pessoas”.


A personagem mais complexa – ou complicada – é sem dúvida a Helga Richter de Margaret Lee, talvez por o argumento parecer hesitar sobre o que pretende que ela seja, ora escorregando para o arquétipo pulp da fria, sexy e implacável fraulein em uniforme militar que seria definitivamente fixado na década seguinte por Dyanne Thorne na série de filmes onde protagonizou a carismática e explosiva Ilsa (1973-1977), ora pendendo para a pura espiã que Mary Ure desempenhara no ano anterior em WHERE EAGLES DARE. Curiosamente, é essa indeterminação, conjugada com a beleza altiva de Margaret Lee, que dotam a sua personagem de uma inesperada profundidade e sentido de ironia.




A sensação com que ficamos de imediato é a de alguém que, trabalhando isolada no coração do vespeiro, se começa a deixar dominar por uma obsessiva paranoia que a leva a eliminar qualquer possibilidade de descoberta. Ao ouvir Mueller comentar que descobriram um membro da resistência, é ela própria quem o elimina a sangue frio. Logo de seguida, abandona a arma do crime em casa do seu amante, o que leva à sua execução às mãos de Mueller, mas também a que as suspeitas dele recaiam sobre si, conjugadas com o intenso desejo que não deixa de lhe expressar insistentemente (pelo menos com a intensidade que se pode esperar de um réptil frio como o oficial das SS).




Desejo a que ela resiste até ao momento em que, uma vez mais ecoando uma situação recorrente com a personagem de Barbara Bain em Mission: Impossible, tem que se servir do corpo para distrair Mueller durante a abertura do cofre, despoletando uma das cenas simultaneamente mais tensas e divertidas do filme, em que ambos – ela e Mueller – estão mais concentrados no que se passa fora da cama do que na tão ansiada/temida consumação. 



Por fim, a sua prestação acaba por a colocar diante do pelotão de fuzilamento sob o olhar simultâneo de Mueller e dos comandos americanos, os quais não podem intervir para evitar ser descobertos, apenas para, ironicamente, desencadearem um feroz combate poucos minutos depois. A espactacular batalha que se segue prontamente vota a pobre Helga ao esquecimento, como que confirmando o estranho corte na sequência de montagem que faz com que o corpo da rapariga desapareça subitamente do local do crime, como se não tivesse passado mera imaginação.




Queixarmo-nos, numa produção desta natureza, da falta de rigor a nível da reconstituição histórica, seria o mesmo que queixarmo-nos de que os pepla não representam a realidade histórica do Império Romano; mas uns e outros são imediatamente reconhecíveis na sua iconografia própria, e os uniformes utilizados, quer pelas forças alemãs, quer pelos comandos americanos, cumprem essa função de identificação, evitando uma confusão semelhante à de EL OASIS DE LOS MUERTOS (1981) de Jesse Franco, onde ambos os lados de uma batalha não só usavam os mesmos uniformes mas, por falta de meios para a contratação de extras, eram desempenhados pelos mesmos actores, que íamos vendo tombar, à vez, de um e outro lado da contenda. No entanto, os mais entusiastas pela história militar, não deixarão de notar algumas incongruências: embora Hans Mueller seja repetidamente identificado como Obersturmbannführer (Tenente-Coronel), utiliza as insígnias de S.S. Standartenführer (Coronel), embora as folhas de carvalho da gola se encontrem trocadas; da mesma forma, embora os uniformes utilizados mimetizem minimamente o uniforme de campanha das S.S. (incluindo o distintivo das Hoheitzeichen na parte de cima da manga), não é possível identificar nenhuma unidade que tivesse estado operacional naquele teatro de guerra em princípios de 1944, altura em que parece decorrer a acção do filme, conforme nos é permitido deduzir pelas referências ao papel de Kesselring, o Marechal-de-Campo Alemão que, entre 17 de Janeiro e 23 de Maio de 1944, deteve o avanço aliado na sequência do desembarque nas praias de Anzio. Também o equipamento americano apresenta visíveis anacronismos, desde logo o facto de alguns dos elementos do pelotão exibirem os capacetes M1 com camuflado de rede, que apenas entraram ao serviço durante a campanha da Normandia (Junho de 1944).

Nada, porém, que detraia do puro entretenimento de uma missão pulpesca e fantasiosa e repleta de acção. Como um comic book que ganhasse vida, 5 PER L’INFERNO existe num universo com uma lógica muito própria, onde a própria guerra é idealizada e a morte dos companheiros – representada no plano final do filme pelos capacetes que ocupam o assento onde antes tinham viajado – é afastada com um sorriso que promete novas aventuras.

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